Parecer jurídico embasado na lei atual.
Parecer Jurídico
Diferencial de Alíquota/DIFAL
Ementa: ICMS. DIFERENCIAL DE ALÍQUOTA/ CONVÊNIO CONFAZ 93/2015/ NECESSIDADE DE LEI COMPLEMENTAR PARA DISPOR SOBRE A INSTITUIÇÃO DESSA NOVA HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA/ O DIFERENCIAL DE ALÍQUOTAS DO ICMS.
I. RELATÓRIO
Trata-se de cobrança do Diferencial de Alíquotas de ICMS (DIFAL) exigido com base em Lei Estadual, e do Adicional de Alíquota do ICMS para o Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECP), com base na Lei Estadual, sobre as vendas de mercadorias efetuadas a destinatários não contribuintes do ICMS. É um instrumento que facilita a arrecadação do ICMS e é obrigatória para operações interestaduais. Posteriormente, coube à Emenda Constitucional 87/2015 reorganizar a disposição dessas normas no texto da CF/88, ocasião em que também foi introduzida uma nova hipótese de incidência de DIFAL (nas vendas interestaduais a consumidores finais não contribuintes do ICMS).
Ocorre que, em que pese à publicação da Emenda Constitucional, do Convênio n.º 93/2015 e da Lei Estadual, não houve publicação de Lei Complementar1 em âmbito federal para instituir e regulamentar o DIFAL até 31 de Dezembro de 2021, sendo somente no dia 05 de janeiro de 2022, é que foi publicada a Lei Complementar n.º 190/2022 que instituiu e regulamentou o DIFAL. Conforme exige o artigo 146, inciso III, alínea a da Constituição Federal.
Art. 146. Cabe à lei complementar: (...)
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
Entretanto, estados estão cobrando normalmente o valor do DIFAL.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Não remanescem dúvidas de que a exigência do DIFAL deverá observar os Princípios da Anterioridade de Exercício e Nonagesimal. A própria Lei Complementar n.º 190/2022 determina que a produção de efeitos da inovação legislativa estaria subordinada aos sobreditos Princípios Constitucionais, verbis:
“Art. 3º: Esta Lei Complementar entra em vigor na data da sua publicação, observado, quando à publicação de efeitos, o disposto na alínea c do inciso III do caput do art. 150 da Constituição Federal.”
O disposto no artigo 3º da Lei Complementar n.º 190/2022 já seria mais do que suficiente para encerrar a discussão na medida em que foi o próprio legislador quem determinou que a exigência do DIFAL deve observar os Princípios da Anterioridade de Exercício e Nonagesimal. Ou seja, o afastamento de tais Princípios, viola o artigo 3º da Lei Complementar n.º 190/2022.
Assim, se a exigência do DIFAL depende da edição de Lei Complementar por consubstanciar nova relação jurídico-tributária, conforme reconheceu o E. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL deverá observar os Princípios da Anterioridade de Exercício e Nonagesimal previstos nas alíneas b e c do inciso III do artigo 150 da Constituição Federal, verbis:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios:
III. cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b.”
Em que pese os reconhecimentos dos princípios constitucionais da anterioridade do exercício e nonagesimal a de se falar que o convênio ICMS 93/2015 não pode invadir a competência da lei complementar para atender os requisitos constitucionais acima mencionados, como reconhece o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, em decisão monocrática no Superior Tribunal de Justiça:
"(...) o Estado de destino da mercadoria, que, na sistemática original da Constituição Federal, não detinha competência para exigir ICMS dessa operação (...) a distribuição de receitas por meio de diferencial de alíquotas exige lei complementar, não sendo possível que a instituição de diretrizes do tributo seja realizada por meio de Convênio." (STJ, RMS nº 62.935/MA, Min. Rel. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 29.06.2020).
O Supremo Tribunal Federal já reconheceu a repercussão geral dessa tese:
“Tema 1093 - Necessidade de edição de lei complementar visando a cobrança da Diferença de Alíquotas do ICMS – DIFAL nas operações interestaduais envolvendo consumidores finais não contribuintes do imposto, nos termos da Emenda Constitucional nº 87/2015.”
No caso específico do DIFAL previsto na EC 87/2015, a conclusão não poderia ser diferente. Aliás, a própria assessoria jurídica do CONFAZ (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional), concluiu que “a previsão do diferencial de alíquota no Texto Constitucional não supre a necessidade de edição de lei complementar” (Parecer nº 1.226/2015). Em relação à anterioridade objetiva evitar surpresas em desfavor do contribuinte, prestigiando a estabilidade legislativa e a segurança jurídica, conforme leciona o Prof. Segundo Gomes Canotilho, o princípio da máxima efetividade impõe que a
“uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da atualidade das normas programáticas (Thoma), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais)”
III. CONCLUSÃO
De fato, como não tinha lei complementar, pressuposto para a instituição e exigibilidade do DIFAL.
Até a data de 05 de janeiro de 2022 para regulamentar a EC 87/2015, a lei distrital não pode ter eficácia já que a instituição do diferencial de alíquota, previsto pela EC 87/2015, nas operações interestaduais, destinadas a consumidor final, contribuinte ou não do ICMS, depende de previsão em lei complementar.
Também é notório que o Convênio afronta a Carta Magna, notadamente pelo fato de que a CF, em seu art. 146, I e III, exigiu que a regulamentação das regras gerais e matéria tributária deve ser realizada por meio de Lei Complementar. O que se verifica, portanto, é que o Convênio afrontou a Constituição Federal, especificamente em seu art. 146, III, o qual impõe a obrigatoriedade de Lei Complementar para estabelecer normas gerais em matéria tributária.
O convênio em referência, embora trate da obrigatoriedade de os contribuintes cumprirem a EC 87/2015, não tem o referido instrumento natureza de lei complementar, que é o instrumento normativo exigido pela Constituição Federal. Como já ressaltado, embora sem efeito vinculante, o STF no RE 580.903/PR já sinalizou que o convênio não pode criar regras materiais para o ICMS e, por não bastar previsão constitucional, o diferencial de alíquota depende de lei complementar.
Portanto, em relação à cobrança do diferencial de Alíquota, ele deve ser exigível apenas em 01º de janeiro de 2023.
IV. REFERÊNCIAS
Canotilho, J.J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6ª edição, Editora Almedina, pág. 1210.
EC 87/2015
Lei Complementar n.º 190/2022
Constituição Federal 1988
Dr. Dalton Ferreira
OAB/SP: 476.858
São Paulo 09/08/2022